Essa semana eu ganhei um presente. Um dos mais bonitos que já ganhei na vida, aliás.
Como já contei aqui, estou trabalhando com um projeto de formação de leitores com a Escola Municipal Manacá, em Itapecerica da Serra.
Pois bem, embora meu trabalho hoje seja produzir o material, trocar ideias e ajudar na orientação dos professores, eu também sou professora e tem uma coisa que eu sei bem sobre a rotina escolar: professores não gostam muito de eventos. (Já volto no assunto do presente e vocês vão entender.)
Vocês sabem, professor é um ser que ama ensinar – pelo menos aqueles que escolheram essa carreira por vocação, e não por conveniência. Mas mesmo aqueles que não amam o ensino precisam ensinar sem amar mesmo, porque essa é a responsabilidade deles – e porque serão cobrados pelo desempenho dos alunos.
Agora considere que, dependendo da turma com que trabalha, um professor pode passar muito mais tempo resolvendo problemas e conflitos do que realmente dando aulas ou ensinando. Isso já é complicado. Imaginem então que cada vez que a escola faz um evento com a participação das crianças, você precisa deixar de lado muitas aulas para preparar cartazes, lembrancinhas, programação e ensaiar os alunos (se você já ficou responsável por ensaiar as crianças para algum evento deve saber bem que isso significa tentar ensinar o Zequinha a decorar a fala dele enquanto o Juquinha puxa o cabelo da Ritinha, e coisas semelhantes). Se o evento não tem relação com os conteúdos que você está ensinando, isso é mais difícil ainda, porque você fica lá sofrendo para colocar as crianças em suas posições enquanto sua mente está girando em torno de um pensamento: como é que eu vou dar conta de correr com a matéria depois? Então chega o dia do evento e você quase morre de orgulho de ver os pimpolhos se apresentando lá na frente. E você pensa: “Ah, eles não são lindos?” No dia seguinte, quando as aulas normais recomeçam, você geralmente está mais animado, mas ainda tem que sentar para rever o planejamento e pensar como vai fazer para recuperar o tempo investido nos preparativos para o evento. Até porque uma pessoa pode se emocionar muitíssimo vendo a criança se apresentar lá na frente, e na semana seguinte estar revoltada porque ‘esses professores não ensinam direito’, e ‘onde já se viu uma criança ir pra escola todo dia e não aprender nada’ e ‘como é lamentável a precariedade do sistema de ensino brasileiro!’, e etc… (Não é sempre. Tem muita gente linda que sabe bem o que é lidar com crianças e que se sente grata de verdade por aqueles que trabalham para ensiná-los todos os dias).
E por que eu estou dizendo tudo isso?
Porque na segunda-feira passada eu fui até a escola para conversar com os professores sobre como está indo o programa de formação de leitores e para assistir à premiação de honra ao mérito que a escola realiza, oferecendo medalhas aos alunos que se destacam. Quando eu cheguei as crianças me perguntavam: “Você é a professora Katarine?” (Eles já tinham me visto antes, mas eu estava caracterizada para a contação de histórias e uma flores no cabelo já são o bastante para que eles não reconheçam você depois). “Sim, sou eu. Como você sabe?” “Ah, é que tem uma coisa que a gente não pode contar.” “Fica quieto, fica quieto” – diziam os outros – “ele está querendo estragar a surpresa”. (Crianças são ótimas para fazer surpresas… Elas disfarçam a empolgação que é uma beleza!rs).
E foi assim. Quando acabou a premiação dos alunos da parte da manhã eu fiquei sabendo que eles queriam fazer algumas apresentações em minha homenagem. Acontece que eu passei a vida ensaiando as crianças para fazer homenagens para as outras pessoas e nem sabia muito bem como era isso de sentar em uma cadeira e assistir ao que eles prepararam.
E turma por turma eles foram se apresentando: leram cartas que escreveram pra mim, recitaram poemas, fizeram leitura dramatizada do livro que estão estudando, cantaram, mostraram os cartazes com o acróstico feito com o meu nome, mostraram as maquetes dos cenários das histórias, coreografaram uma música sobre o amor aos livros e tudo o mais. Até ganhei uma caneca personalizada dos aluninhos do 1º ano. Minha participação foi bem monótona: eu só chorei, chorei, chorei… rs Algumas mães vieram me abraçar e dizer que agradeciam e uma delas me desejou tantas bênçãos que eu voltei a chorar tudo de novo. Não sabia o que dizer quando me entregavam o microfone (logo eu, uma pessoa de muitas palavras, rs), nem conseguia entender direito por que eles estavam fazendo tudo aquilo.
Por um lado minha cabeça ficava pensando: “eu não-a-cre-di-to que as professoras gastaram tempo de aula preparando as crianças para essas apresentações!!” Nem o Márcio, aliás, que é o diretor da escola, gosta de eventos que tirem o foco do trabalho de ensino, que é o papel da escola. E eu via as crianças olhando para ver qual seria a minha reação e pensava: “essas crianças praticamente não me conhecem! De onde elas tiraram esse carinho todo e essa alegria em preparar uma homenagem pra mim? Eu não mereço tudo isso, gente.”
Mas depois, no fim do dia, uma das turmas cantou uma música que todo mundo conhecia, menos eu, e que me fez entender muita coisa. Não só sobre aquele momento, mas sobre a minha vida, minha vocação e sobre as coisas que Deus tem colocado no meu coração. Eu entendi que não era uma questão de merecimento o que estava acontecendo ali. Era uma expressão de carinho e gratidão e isso a gente não faz porque o outro merece ou deixa de merecer, mas porque quer demonstrar a importância que a pessoa tem na vida da gente.
Em um dos momentos a professora Ivana disse que eles têm aprendido sobre as virtudes nas lições que eu escrevo, e que eles estavam ali para colocar em prática a virtude do Serviço. E eu fui embora pensando que, embora nunca tenha feito esse trabalho esperando sequer um décimo disso tudo, é uma coisa maravilhosa quando alguém se dispõe a expressar gratidão – essa outra virtude que eu gosto tanto.
Na verdade, nada disso estaria acontecendo se o Márcio não acreditasse tanto na importância da leitura e da literatura, e se não confiasse tanto no meu trabalho a ponto de me sugerir criar esse programa. E não aconteceria se ele não fosse o líder que é. Também não adiantaria nada se as professoras não estivessem empenhadas em fazer o possível para colocar tudo em prática, apesar de todas as dificuldades e desafios que já existem na sala de aula, porque seria só um bocado de ideias daquelas que ficam no papel – e nunca chegaria até as crianças. Não seria como é se a Renata não se empolgasse com cada ponto e não fizesse de tudo para ajudar as professoras a colocar tudo em prática. E não aconteceria sem o pessoal que trabalha no administrativo, na limpeza, na cozinha, na decoração… Gente que cuida das coisas para que o trabalho aconteça. E sem todos os amigos que contribuíram com a campanha de doação de livros e que acreditam nesse trabalho… E sem todo mundo que ouve falar e fica feliz, incentiva, anima, dá ideias e ora pedindo que Deus abençoe tudo isso. E sem aqueles que não estão envolvidos com o projeto, mas se importam em ensinar e amar a gente, dando toda base que a gente precisa para ser quem é e fazer o que faz.
Enfim… Acho que as crianças, as professoras, o Márcio, a Renata e todos ali da escola nem imaginam o que esse dia significou para mim. Às vezes Deus conduz nossa vida para certos caminhos que nem a gente entende. Mas é muito melhor viver o que Ele quer, porque mesmo que a gente precise pagar certo preço, a alegria e a paz estão sempre ali.
Bom, no final de todas as apresentações, quando eu já tinha um pouco mais de condições de reagir, eu disse algo em que acredito: que existem muitas formas de oferecer presentes às pessoas e uma dessas formas é usar as palavras. A gente pode usar as palavras para distorcer a verdade, para enganar, para maltratar… Ou para ensinar, alegrar, incentivar e edificar a vida de outras pessoas. E assim como os livros que eles estão estudando foram escritos por autores que há muitos anos usaram as palavras para oferecer histórias de presente, naquele dia eles estavam ali me dando um presente em forma de palavras. Um presente que eu nunca vou esquecer. Estou grata a Deus e a todo mundo. (E estou muito feliz!!)
Vou colocar aqui uma parte da música e algumas fotos desse dia. =D
“Não é sobre ter
Todas as pessoas do mundo pra si
É sobre saber que em algum lugar
Alguém zela por ti
É sobre cantar e poder escutar
Mais do que a própria voz
É sobre dançar na chuva de vida
Que cai sobre nós.
É saber se sentir infinito
Num universo tão vasto e bonito
É saber sonhar
E, então, fazer valer a pena cada verso
Daquele poema sobre acreditar
Não é sobre chegar no topo do mundo
E saber que venceu
É sobre escalar e sentir
Que o caminho te fortaleceu
É sobre ser abrigo
E também ter morada em outros corações
E assim ter amigos contigo
Em todas as situações
A gente não pode ter tudo
Qual seria a graça do mundo se fosse assim?
Por isso, eu prefiro sorrisos
E os presentes que a vida trouxe
Pra perto de mim.”
3 respostas para “O presente que eu ganhei”
Por coincidência eu morei até 1999 na Estrada de Itapecerica. Eu gostava muito de Itapecerica. Uma cidade tranquila cheia de verde que fica lá no alto. Não sei como está agora, talvez com mais gente.
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Q lindo!!!
Deus te abençoe.
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Minha filha participou desse evento, realmente a Escola Manacá é um verdadeiro exemplo de educação .. diretor Márcio supera todas as expectativas a frente de seu cargo. Tenho certeza que a minha filha sairá dessa escola com uma linda bagagem para enfrentar muitos desafios que ainda virão pela frente.
Parabéns Katharine pela linda iniciativa , a nossa educação precisa de pessoas como você!Obrigada.
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