Toda criança deseja viver uma grande aventura!

Quando observo uma criança que assiste televisão por um longo período, traduzo seu olhar lânguido numa palavra: tédio. Mas é curioso, pois inicialmente a criança está atenta, interessada, envolvida na história. No entanto, basta o tempo correr e você perceberá do que estou falando.

Claro, a criança não diz isso objetivamente. Nem sei se conseguiria expressar com tal consciência. Mas, lá no fundo, eu imagino a resposta: ela gostaria de participar daquela aventura, entrar no desenho e ser um dos personagens da história. Isso acontece porque toda criança deseja viver uma grande aventura. Deus nos criou como seres de sentido, criativos e imaginativos, não tímidos e embotados. Dentro de nós há um desejo de ação, de viver e vencer perigos, de nos tornarmos o herói da história.

Lembro agora do conto “O Pequeno Herói da Holanda”, de Etta Blaidesll*, que narra a história do corajoso Peter, um garoto que voltava para casa após um agradável passeio e notou que o dique que protegia sua cidade estava vazando. O menino prontamente enfiou seu dedo no buraquinho e permaneceu a noite inteira ali, evitando uma grande catástrofe. O pequeno Peter salvou a Holanda! Dessa forma, não é de estranhar porque toda criança deseja viver uma grande história e depois contá-las para seus pais e amigos, não é? Afinal, fomos criados para viver e narrar coisas grandes!

Acontece que as telas têm impactado negativamente o imaginário das crianças. A
televisão, por exemplo, é um sistema de reprodução de imagens que tem a função de informar e entreter, não exigindo muito esforço cognitivo do espectador. E no contexto da modernidade e da crescente urbanização das cidades ela alcançou grande popularidade. Como? Buscando imitar a realidade; a televisão passa uma mensagem ilusória de que você está vivendo uma grande história, sendo que na verdade, você está do lado de fora – da história e da realidade. É por isso que precisamos tirar a televisão do centro de nossa sala – e de nossas vidas. O que vou relatar abaixo é a história de quem desligou a TV há tempos (e só liga uma vez por semana para assistir filmes recomendados).

Alguns meses atrás, na volta de nossa viagem de férias, paramos na cidade de
Cristal/RS para um piquenique. Cristal é o meio do caminho de uma longa jornada de cinco horas entre Porto Alegre e Jaguarão, estado do Rio Grande do Sul.

Após o lanche as crianças me convidaram para desbravar o local: um mato fechado que fica atrás de um paradouro (restaurante). Nós já tínhamos feito isso em outro momento, mas foi a primeira vez que nosso pequeno Augusto (o Gutinho), que completou 2 anos em março, participaria da aventura.

As crianças e eu subimos um morro e após iniciarmos a trilha encontramos um galpão abandonado; após a expedição localizamos na descida algumas árvores frutíferas.

Acontece que, após pegarmos algumas laranjas, uma ovelha emitindo um balido
horroroso saiu atrás de nós, tornando a situação mais tensa e perigosa. Corri com as
crianças e no meio do caminho o Gutinho caiu, ralou o joelho e deixou sua laranja para trás. A ovelha partiu para cima de nós, demarcando seu território, e não restou nada senão correr.

Ao retornar de nossa expedição as crianças emocionadas relataram sua aventura à
mamãe Marina. E por quê? Porque toda criança deseja participar de uma grande
aventura. Além das experiências reais, a leitura de boas histórias também desenvolve o imaginário e aumenta a sensibilidade da criança. Não penso que a televisão tenha o mesmo intuito.

É por isso que grandes épicos como Ilíada e Odisséia de Homero se tornaram a base da civilização ocidental: são aventuras grandiosas, mitológicas e fundadoras de um povo; uma narra a guerra dos gregos contra troianos e a outra o longo retorno de Ulisses a Ítaca. São aventuras no sentido lato da palavra. E tais aventuras são vividas com sentido, ímpeto, coragem e amor.

Estou convencido que a leitura em voz alta e a boa conversa em família suscitam o desejo das crianças para viverem (e não apenas olharem) grandes aventuras. De modo que espero que este texto oportunize aos pais um momento para meditarem sobre como estamos formando este desejo em nossos filhos.

____

* Livro das Virtudes para crianças, por William Bennett. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira: 2021

Jônatas Caratti é pai de João Batista (6), Suzana Beatriz (4) e Augusto Marcelino (2). Casado com Marina Caratti. Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor do Curso de História da Universidade Federal do Pampa (Unipampa).

Instagram: @jonatascaratti


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