Vinte Mil Léguas Submarinas – Resenha do Livro

Júlio Verne – ou Jules Verne, como prefiram – foi realmente um escritor impressionante. Mesmo quem nunca tenha lido seus livros conhece pelo menos os títulos “Volta ao Mundo em 80 dias” e “Vinte Mil Léguas Submarinas”.

Um tempo atrás nós encontramos, em uma livraria pequena aqui na cidade, alguns exemplares belíssimos das obras do autor, e decidimos comprar algumas. Essa é uma edição portuguesa, com poucas informações além do selo “Edição Hetzel” (pelo que entendi, Hetzel foi a editora que publicou a primeira edição, já ilustrada, em 1871). Mas o livro é tão bonito que a princípio nem duvidei da qualidade – aparências… Só recentemente, no entanto, eu terminei a leitura de um deles para poder dizer melhor.

Como eu já tinha a edição da Zahar – essa menor, que é a edição de bolso -, decidi começar por Vinte Mil Léguas Submarinas para comparar as duas edições.

Começando pela obra em si, devo dizer que fiquei com opiniões divididas. Vou tentar dividir em tópicos:

1. Genialidade do autor: esse é, sem dúvidas, um ponto que chama a atenção nas obras de Júlio Verne. Recentemente eu assisti a um vídeo sobre isso e fiquei absurdada quando descobri que nem existia submarino quando ele escreveu esse livro. E mais: muitas coisas outras coisas que ele imaginou e ainda não existiam, depois foram criadas e ficaram muito parecidas com o que ele previra. Isso porque ele não era simplesmente um escritor imaginativo, mas um brilhante pesquisador científico, de modo que as descrições e invenções que entram na história faziam sentido. É realmente surpreendente ler sabendo que nada disso havia sido, ainda, descoberto na época.

2. Conhecimento que você adquire durante a leitura: em consequência do ponto anterior, o livro é cheio de descrições que envolvem conhecimentos de Biologia (no caso desse livro, a maior parte focada na Biologia Marinha), Geografia, História, Clima e outros. Confesso que quando comecei a leitura eu já imaginei como seria se um professor de Ciências do Ensino Fundamental 2 usasse esse livro como base para, dali, puxar os temas que precisa ensinar (já que eu gosto muito do método “Literature Based Learning”, que parte das histórias para ensinar os conteúdos, o que torna muito mais significativo e permite que os alunos entendam e guardem melhor as informações; esse é, aliás, o estilo que usamos no Programa Valores e Virtudes). Por exemplo, a forma como Conseil (ou Conselho), o assistente do professor, vai fazendo classificações taxonômicas o tempo todo, com certeza tornaria muito mais interessante para as crianças o entendimento da Taxonomia. Então você realmente aprende coisas muito interessantes durante a leitura. Eu mesma fui várias vezes ao Google para ver fotos de certos animais que ele citava e eu nunca tinha ouvido falar, ou para saber se tal ilha ou tal canal que ele cita existe mesmo, ou se era verdade que tal navio afundara ali.

3. Ritmo da leitura: Aqui preciso dizer que a leitura não foi lá muito empolgante. Acho que concordei bastante com a opinião do Miguel, um dos nossos alunos do Clube Volta ao Mundo: “A aventura demora demais para acontecer”. E demora mesmo. O livro tem longos trechos de descrição – lembrei das minhas leituras de Machado de Assis – e tem poucos momentos daqueles em que você fica ansioso para saber o que vai acontecer. Nesse aspecto eu percebo uma diferença grande entre Júlio Verne e Tolkien, por exemplo. Porque enquanto Tolkien tem descrições detalhadas do lugar, ou de uma cena (seja em Hobbit ou Senhor dos Anéis), isso te permite imaginar tudo com precisão e logo você tem algo emocionante acontecendo. Já no livro de Júlio Verne as descrições são muito técnicas – como as características de uma alga específica – e a narrativa tem um ritmo mais monótono, se posso usar esse termo. Mas devo dizer que já vi várias pessoas, incluindo adolescentes, dizendo que amaram o livro e se empolgaram com essas descrições. Então creio que esse aspecto dependa muito do tipo de interesses que a pessoa tem.

4. Princípios e cosmovisão: uma coisa que eu achei super legal é como o tempo todo as personagens citam o Criador de todas aquelas belezas. Como esse livro foi escrito em 1869/1870, é interessante perceber que a cosmovisão cristã estava presente de forma natural nas conversas, mesmo quando se discutia questões científicas. Para nós que, menos de dois séculos depois, convivemos com a secularização presente em tudo, e essa dicotomia entre Fé e Ciência, é um alívio ler uma obra escrita num tempo em que ainda havia uma integralidade na forma de ver a vida e estudar a natureza. O livro também tem alguns momentos interessantes que mostram virtudes como Gratidão, Lealdade, Diligência e Amizade, mas

5. Beleza da história e imaginação moral: Quando falo sobre como avaliar se um livro é bom ou não para a formação das crianças e adolescentes, eu considero quanto a narrativa apresenta situações que nos emocionam por sua profundidade. Se você já conhece o Programa Valores e Virtudes, sabe que as histórias são excelentes para nutrir no coração das crianças – e no nosso – as virtudes que buscamos cultivar. Nesse sentido, percebi que embora Vinte Mil Léguas Submarinas tenha algumas passagens em que as personagens mostram virtudes como Gratidão, Lealdade e Diligência, falta na obra aquela beleza mais profunda que nos faz refletir sobre as grandes questões da vida. A personagem do Capitão Nemo realmente é intrigante e eu até esperava que o desfecho da história me fizesse achar que a leitura das 528 páginas valeria a pena, mas sinceramente não foi assim. Esse, aliás, é outro ponto:

6. O enredo: Confesso que fiquei muito, mas muito decepcionada mesmo com o final. Não vou entrar em detalhes para não dar spoilers a quem quer ler o livro, mas eu fiquei o livro todo ansiosa pelas explicações para algumas coisas que aconteceram durante a história, e especialmente para entender certas atitudes do Capitão Nemo. E, para a minha tristeza, não tem. Me senti como quando eu pegava um livro na biblioteca da escola e lia até o fim, empolgada, para só no final descobrir que a última página estava faltando. Talvez para algumas pessoas isso não seja tão problemático, mas eu realmente não gosto de histórias que não explicam as coisas, então nesse aspecto eu me frustrei.

Resumindo, minha conclusão sobre a leitura, no sentido da história em si:

Gostei bastante de ter lido e entendi por que o livro é considerado um clássico. Enquanto viaja o mundo todo durante a leitura, você vai como que aprendendo e enxergando tudo de outra forma. A própria existência do submarino e do Capitão Nemo tornam a história muito interessante. Achei o ritmo muito lento e pouco emocionante – tanto pela falta de suspense quanto pela falta de profundidade nas questões humanas – e não gostei do final. Mas não me arrependo de ter lido.

Sobre as duas edições:

Ler a nessa edição da Hetzel é realmente uma experiência legal. A capa é linda demais, com esses detalhes em dourado, o papel, a fonte e a diagramação são ótimos para a leitura.

O problema dessa edição está no texto. O fato de estar em Português de Portugal não dificulta, exceto no uso de algumas palavras (por exemplo, demorei para entender que a “derrota” do navio, na verdade era a “rota”). E o texto está bem traduzido e escrito, mas a revisão não funcionou. O livro todo tem diversos erros de digitação, com palavras pela metade ou letras trocadas, o que é uma tristeza em uma edição tão bonita. Ressalto que o texto não é ruim, não tem erros gramaticais ou frases confusas, como é comum em muitas traduções. O problema me pareceu só de digitação mesmo. A edição que eu tenho é de 2018, então não sei se depois isso foi corrigido.

Comparando as duas edições:

Embora tenha lido na Edição Hetzel, em alguns momentos comparei a leitura com a edição da Zahar. O texto da Zahar é muito bom também. Talvez mais fácil de ler, mas nem por isso empobrecido. Aliás, até hoje não encontrei problemas com a parte de texto nas edições da Zahar. Me parecem muito zelosos nesse aspecto.

Como a edição que tenho da Zahar é a de bolso, a única questão é que a diagramação dele é mais “apertada”, com pouco espaço de margens, e fonte um pouco menor do que da Hetzel. Nesse sentido, a edição de luxo – que é maior e comentada – deve oferecer uma experiência melhor de leitura. O bom é que mesmo a edição de bolso é capa dura.

Um detalhe sobre as imagens:

As duas edições usam imagens originais, mas percebi que nem sempre são as mesmas. Me parece que o livro original tinha mais imagens, e cada editora escolheu algumas para colocar em suas edições atuais.

Aliás, só depois de ver a edição da Zahar foi que percebi que a qualidade das imagens no livro deles está muuuuito melhor do que essa da Hetzel.

Qual edição eu recomendaria?

Entre as duas, embora a capa da Hetzel seja linda e colecionável, eu recomendaria a da Zahar, por essas questões do texto e qualidade da imagem – com essa ressalva que mencionei, da diagramação, que as crianças podem achar mais difícil de ler.

Para qual idade eu recomendaria?

Não recomendo para crianças pequenas. A idade varia um pouco, mas de forma geral para adolescentes eu recomendaria ler alguns capítulos e ver se eles gostam. Como falei, alguns acham maravilhoso ir descobrindo tudo isso, e também se empolgam ao saber que muita coisa ainda não havia sido descoberta quando Júlio Verne escreveu (confesso que saber disso me animou a ir ler).

Links das edições:

Zahar – Edição de Bolso (nosso link de afiliado)

Zahar – Edição Comentada (nosso link de afiliado)

Edição Hetzel (esse é o link da editora portuguesa, mas quando acessei estava esgotada a coleção do Júlio Verne)

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